domingo, 31 de maio de 2015

Só rindo

A encontrei já sobre a maca, na sala de emergência, coberta do pescoço aos tornozelos, deixando os pés expostos. Na casa dos dezessete anos, magra, pequena, clara, lábios grossos, cabelos castanhos e olhos grandes. Não quis ou não conseguiu dizer seu nome. Estava ali porque havia discutido com a mãe. Bate-boca descontrolado, exaltado, capaz de deixá-la muda. O sofrimento parecia demasiado grande para aquela alma ainda imatura. Deixara de falar e até de se mexer. Os familiares assustados correram com ela até o pronto socorro. Não suportavam vê-la esvanecida, indiferente. Contavam com a ciência para recuperá-la.
A medicina científica tem solução para quase tudo que consegue nomear. A jovem parecia combinar com transtorno de conversão, o que, no passado, era chamado de histeria, condição estudada por Freud e Charcot. Ali, no pronto socorro, onde amiúde espera-se soluções rápidas, o que poderia eu fazer?
Decidi dar-lhe tempo ao invés de impingir-lhe uma terapia qualquer. Nenhuma prescrição. Nenhum medicamento. Apenas um pouco de paciência para que os pensamentos e as emoções se re-acomodassem. Não deu certo. Nenhuma palavra. A jovem seguia quieta e imóvel.
Me aproximei do seu rosto para poder conversar em voz baixa, sem que os técnicos de enfermagem ou os demais pacientes ali presentes escutassem. Talvez assim, no tête-a-tête, ela começasse a falar. De perto, percebi lágrimas. Sem força para secar os olhos, as lágrimas iam se acumulando, encharcando os olhos. Fiz algumas perguntas, num tom de voz suave, acolhedor. A conversa, e não os medicamentos, soava mais adequada. O máximo que consegui foi o esboço de um tímido sorriso que se desfez antes mesmo de nascer.
Impotente, sentei sobre uma cadeira ao pé da maca, na espera de mais alguma inspiração. Fitei seu pequenos pés. De repente, cogitei, mesmo que de forma insensata, fazer-lhe cócegas nos pés. Desde Darwin, já se conhecia o papel das cócegas nas relações sociais, mas nunca ouvira falar de seu emprego no tratamento de algum mal. 
Comuniquei minha maluca decisão, tanto à jovem como aos profissionais de saúde presentes. Perguntei se alguém tinha uma pluma. Brincadeira! Peguei uma gaze e passei a roçar levemente a pele da planta dos pés.

A jovem sentou na maca, mudou a fisionomia e começou a rir. Desceu e partiu na companhia da avó.

Nenhum comentário:

Postar um comentário