sábado, 5 de julho de 2025

Interações dialógicas transformadoras com João de Barro

No seu afã de interagir, conhecer, transformar e ser transformado, um grupo de extensionistas tem se reunido regularmente com João, aquele que construiu sua casa no alto do poste, bem onde está o apoio transversal de onde partem fios de telefonia e televisão a cabo. De sua residência, pode observar, lá em baixo, as pessoas na praça e o movimento das bikes, carros e motocicletas. Deu-se conta que estas últimas, quando pilotadas por jovens, produzem um barulho ensurdecedor, capaz de tirar-lhe o sono e a paciência, o que acontece, mormente ao anoitecer, quando João já se recolhe ao leito. Bem que seu primo do campo lhe prevenira disso, quando prosearam sobre sua mudança para a cidade. João gosta mesmo do amanhecer, quando o silêncio das ruas e a pureza do ar lhe fazem chegar aos ouvidos o som dos pios das outras aves que por ali vivem ou simplesmente anunciam sua passagem, sozinhas ou em grupos. Algumas chegam a esgoelar sua felicidade por mais um dia nascendo. Outras conversam sem cessar enquanto viajam, fazendo parecer que o bater de asas não exige qualquer esforço. Sua companheira de toda a vida fica ao seu lado, na entrada do ninho. Costumam saudar a alvorada, cantando juntos e batendo as asas, cheios de energia e dispostos a prosseguir na construção da casa própria.

João e sua companheira orgulham-se da habilidade desenvolvida. Os numerosos vôos para buscar e carregar os materiais de construção até a obra são um pouco cansativos, mas a satisfação da casa terminada os faz esquecer qualquer sacrifício anterior. O resultado é tão sublime que há tentativas de imitá-los por parte de pizzaiolos, padeiros e até gente da roça.  

Sua esposa colocou quatro lindos ovos há cerca de duas semanas e o casal está ansioso para receber os filhotes nos próximos dias. Será motivo de alegria e animação. Tão logo cresçam e ganhem o mundo, a casa começará a ficar obsoleta e será abandonada. No ano que vem escolherão outro lugar para uma nova construção, provavelmente mais sofisticada. A casa abandonada servirá de lar a outras aves ou será removida por um funcionário da companhia de energia elétrica da cidade e vendida por mais de cem reais.

Seu tio, conhecido como Sr. Hornero, vive na Argentina e se vangloria do status de celebridade que adquiriu por lá. Emprestou seu nome a uma renomada revista de ornitologia e sua imagem encontra-se estampada na nota de 1000 pesos. Não esconde a vaidade quando conta que costuma avistar pessoas o observando com binóculos e fazendo anotações em um livro onde sua fotografia pode ser vista. Como é fácil dar alegria a esses seres estranhos!

Os extensionistas mostraram-se interessados na história de vida de João e discutem o significado da monogamia furnariana, do trabalho colaborativo e sintonizado do casal, do repetido recomeço da construção do lar ano após ano, e do valor atribuído a uma construção simples, feita de barro, esterco e palha. 

Dizem que essas discussões os ajudarão a compreender melhor o mundo e viver com mais harmonia e justiça. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário