sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Revolução dos hominídeos

     
     Ao que parece, foram os anormais, os rejeitados, os heimatlos, os aventureiros, os rebeldes que deram lugar à revolução que resultou nos hominídeos.
Em outras palavras, os primatas que no início tinham menos força, foram expulsos, afastados, lhes cabendo a sobrevida difícil na “periferia”, que no caso era a savana. E foi exatamente isso que determinou sua evolução à hominídeo. 
Em suma, o homo sapiens civilizado, solidário, capaz de se comunicar, caçar e construir junto, e dividir entre todos, originou-se dos anormais, rejeitados, heimatlos, aventureiros e rebeldes e não dos poderosos, fortes, hierarquicamente superiores.
Quem quiser saber mais, leia "Le paradigma perdu: la nature humaine", de Edgar Morin.
Os anormais, rejeitados, heimatlos, aventureiros e rebeldes de hoje também são expulsos, afastados, lhes sobrando as periferias. Seriam eles os personagens de uma revolução em andamento da qual surgirá um mundo mais civilizado, solidário, onde se produza junto e se divida entre todos?

terça-feira, 5 de setembro de 2017

A clínica contemporânea na atenção primária em saúde: multiparadigmática e complexa

     A clínica contemporânea, exigida do médico nestas primeiras duas décadas do século XXI, é, em alguns aspectos, muito semelhante àquela que surgiu no século XVIII, e discutida por Michel Foucault no seu livro "O Nascimento da Clínica”, mas também muito diferente e mais complexa em razão da incorporação de teorias e saberes que emergiram desde então. À clínica dita tradicional, caracterizada pelo método clínico centrado na observação minuciosa, exame do corpo físico, pensamento classificatório, raciocínio patofisiológico e diagnóstico de uma doença, somaram-se elementos da medicina social, psicanálise, reabilitação psicossocial, medicina baseada em evidências, método clínico centrado na pessoa e clínica ampliada e compartilhada, que enfatiza o sujeito mais do que a doença. Assim, ao médico contemporâneo, quando diante do paciente, já não basta procurar a doença no corpo. Em outras palavras, os encontros clínicos, paulatinamente, foram ganhando em complexidade teórico-relacional em virtude de avanços no campo bio-tecnológico, mas, e sobretudo, na esfera da saúde coletiva e incorporação da singularidade dos sujeitos como objeto de interesse. 
Pretende-se aqui, apresentar as características e trajetória dessa construção complexa e multiparadigmática da clínica, desafiadora para profissionais, professores e alunos de medicina. 
 
Escolas gregas clássicas: racionalidade e observação empírica
A partir do século 5˚ AC, a medicina grega - com suas quatro principais escolas: Cnido, Cós, Crotona e Sicília -  sofreu nítida transformação, substituindo o misticismo e a religião pela racionalidade. Trocou a especulação, os rituais, o hipnotismo e as curas milagrosas pela observação minuciosa e o raciocínio lógico. Saíram os sacerdotes e entraram os médicos. Em termos gerais, pode-se afirmar que a principal contribuição da medicina grega clássica foi a incorporação, em definitivo, da racionalidade na prática médica. (Durant, 1943)
A escola de Cnido, conhecida através das Sentenças Cnidianas, preconizava a classificação das doenças em função dos sintomas e do órgão acometido, e concebia a doença como entidade independente, separada e anterior ao doente. As doenças existiriam no plano das idéias como entidades prontas, completas, e que poderiam ser reconhecidas, acessadas a partir dos sintomas e alterações no corpo. Nesse sentido, a clínica tradicional, hegemônica até hoje, aproxima-se sobremaneira da escola de Cnido. (Lyons e Petrucelli, 1987) 
A escola de Cós teve como principal expoente Hipócrates e defendia a observação empírica e a descrição detalhada e ampla das reações das pessoas adoecidas. Em outras palavras, diferentemente de Cnido, os hipocráticos interessavam-se fundamentalmente pelos doentes, mais alinhados, nesse sentido, com os grupos que atualmente enfatizam a experiência do adoecimento, como os médicos de família e comunidade- “especialistas em gente” e adeptos da “medicina centrada na pessoa”, aqueles que buscam exercer a Clínica Ampliada - que enfatiza o sujeito mais que a doença, e os que têm explorado as narrativas como forma de conhecer as experiências dos enfermos. O Corpus Hippocraticum, conjunto de textos escritos por vários autores, muitos dos quais, mas não todos, atribuídos a Hipócrates, também contribuiu para a disseminação das teorias produzidas pelas escolas gregas, como o método racional, ética médica e visão epidemiológica do problema saúde-doença.
Hipócrates reunia-se com seus discípulos à sombra de um Platano orientalis, na ilha grega de Cós, localizada no mar Egeu, hoje território turco. A árvore está lá até hoje, com alguns de seus ramos milenares apoiados em estruturas que os mantém “de pé”. O local transformou-se em ponto turístico e atrai médicos de vários países que procuram as raízes de sua arte-ciência. Em 1954, Ivolino de Vasconcelos, fundador e presidente do extinto Instituto Brasileiro de História da Medicina, plantou uma muda da árvore de Hipócrates no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Em 2008, por ocasião do bicentenário da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, uma muda foi plantada no seu jardim, na presença do prefeito de Cós. Uma árvore pode ser visitada em frente à Casa de Arnaldo, em São Paulo. O plantio dessas mudas da árvore de Hipócrates em nosso país, de alguma forma, retrata a forte ligação da medicina contemporânea às suas raízes gregas antigas, não obstante o progresso científico e tecnológico. (Rezende, 2009; Tuoto, 2011) 

Pensamento classificatório
Um grande avanço no conhecimento da natureza (physis), e em particular do corpo  humano, veio com o Renascimento. Através da observação e de métodos racionais e indutivos, principalmente com os trabalhos de Bacon e Descartes, no século XVII, o homem tornou-se capaz não somente de compreender as leis que regem a natureza, mas de também modificá-la, passando a ser, em muitos sentidos, mais poderoso que Deus. Nesse contexto, surgiu o método clínico tradicional - a partir da minuciosa observação do corpo humano, capta-se o essencial e despreza-se o supérfluo, o singular, a fim de  agrupar semelhantes e separar diferentes. Esse pensamento classificatório, originado em Sydenham, Linné e Sauvages de Montpellier, é que tornou possível ordenar e nomear doenças. Isso porque, dentro do nome de uma doença cabem semelhantes que não são idênticos. Foi o desprezo pelo singular que tornou possível a classificação e o diagnóstico de doenças.       
Assim como em Cnido, o exame (observação) do corpo tem por finalidade descobrir a doença. É como se existisse, a priori, uma “biblioteca” de doenças no plano das ideias e que, de acordo com os achados da observação clínica, buscar-se-ía a que melhor corresponde a esses achados, da mesma forma que se procura e se puxa o livro ad hoc da prateleira. A doença é, portanto, anterior ao doente, e sua manifestação é conhecida de antemão. Às vezes, o doente atrapalha pois não permite que a doença se manifeste como deveria. 
Em suma, ao exercer, no cotidiano, a clínica, o médico contemporâneo coloca em prática o método classificatório que consiste em procurar uma doença na qual cabem os achados essenciais da observação clínica, valendo-se de raciocínio patofisiológico e desconsiderando o supérfluo e singular.

Medicina social
Até a segunda metade do século XVIII, o médico restringia seu interesse essencialmente ao paciente e sua família. É o que se pode desprender dos seguintes trechos do livro "L’exercice de la médecine et le charlatanisme”, escrito pelo professor e reitor da Universidade de Paris, Brouardel, em 1899: 
“há vinte anos, o médico era verdadeiramente o médico da família; ele intervinha apenas quando um de seus membros ficava doente; se ele dava alguns conselhos gerais destinados a impedir o retorno dos acidentes no futuro, ele se inspirava quase que exclusivamente nos hábitos pessoais de seu cliente; raramente ele fazia alusão às condições higiênicas criadas pelo meio no qual vive seu doente.[…]o médico não deve mais limitar sua intervenção aos limites estreitos da família; ele deve considerar o meio, cidade ou vilarejo, no qual vive seu doente e conhecer suas condições de insalubridade[…]desvendar à autoridade sanitária todas as circunstâncias que põem em risco à saúde da coletividade, da família ou do indivíduo”. (Brouardel, 1899)
A partir desse momento, espera-se do médico mais do que simplesmente detectar  e tratar doenças no corpo dos pacientes. Exige-se, agora, que se interesse pelas condições sócio-econômicas dos indivíduos e coletividades. Contribuições como as de Ramazzini - que nos ensinou a importância de perguntar sobre a ocupação da pessoa, Villermé - que mostrou a associação entre mortalidade e pobreza, e Virchow - que concluiu terem as doenças causas tanto sociais, econômicas e políticas quanto biológicas e físicas, ajudaram a ampliar o escopo da medicina e a colocar o ensino e prática médica sob controle do Estado. Se por um lado a incorporação da medicina social ampliou as possibilidades de explicações para o adoecimento, por outro lado aumentou a  responsabilidade dos médicos e Estado pela proteção da saúde das pessoas através de medidas sociais, além de médicas propriamente ditas, modificando a relação dos médicos com seus pacientes. Seja ao interrogar a história ou ao propor o tratamento, a determinação social do processo saúde-doença precisou ser considerada, o que, claramente, contribuiu para o surgimento de uma clínica mais complexa e abrangente.

O inconsciente
A compreensão de que o processo saúde-doença pode ser influenciado, ao menos em parte, pelo fenômeno mental inconsciente, não dependendo apenas do consciente e da razão, e a recolocação do sujeito singular em cena, valorizando o discurso individual, são as principais contribuições da psicanálise para a clínica dos séculos XX e XXI. Não se trata de transformar todos os médicos em psicanalistas, mas de considerar o inconsciente como determinante das ações dos indivíduos ao se refletir sobre as causas de seu adoecimento e elaboração do projeto terapêutico. Algumas propostas de ampliação da clínica como aquela apresentada por Campos (2003), no início dos anos 2000, incorporaram elementos destacados pela psicanálise como a importância de se valorizar o discurso singular dos sujeitos. 

Reabilitação psicossocial
Reabilitação psicossocial é a expressão usada para designar o movimento de retirada dos doentes mentais dos manicômios e hospitais psiquiátricos e sua reintegração à sociedade, devolvendo-lhes a possibilidade de expressar sua própria subjetividade. Esse movimento, iniciado por Franco Basaglia na Itália, na décadade 1970, e que inspirou a reforma psiquiátrica brasileira, pautou-se na defesa da democracia, direitos humanos e cidadania, e na crítica à objetivação da pessoa. O poder conferido ao doente mental enquanto sujeito e cidadão, e o acolhimento e valorização de suas falas nos encontros clínicos e na construção dos projetos terapêuticos contribuíram para fortalecer e estimular uma clínica contemporânea mais compartilhada com o doente e menos hierarquizada.

Medicina baseada em evidências
A medicina baseada em evidências consiste no uso consciente, explícito e judicioso das melhores evidências atuais disponíveis para a tomada de decisões acerca do cuidado com pacientes. As evidências surgem de investigações clínicas desenhadas e analisadas graças à epidemiologia clínica, bioestatística e informática médica. Sua influência na prática médica se dá, entre outros, mediante protocolos e diretrizes. É indiscutível o ganho para a qualificação da prática clínica, em parte pela maior homogeneização das ações médicas coerentes com evidências cientificamente comprovadas. Muito provavelmente, foi a clínica tradicional a que mais se beneficiou e se consolidou com a disseminação da medicina baseada em evidências. Por outro lado,  sofreu críticas em razão de seu caráter normativo (prescritivo ou proscritivo), seu poder coercitivo, e sua lógica positivista. De qualquer forma, sua influência nas decisões clínicas e na adoção de protocolos e diretrizes como norteadores da prática médica é inegável e duradoura.    

Medicina centrada na pessoa
A medicina centrada na pessoa, como seu nome diz, surgiu diante da constatação de que a clínica tradicional mostrava-se insuficiente para resolver problemas de saúde que não estavam limitados à doença, mas que diziam respeito, principalmente, à pessoa doente. Em outras palavras, trata-se de um método integrado e sistemático para juntar a pessoa e a doença. Preocupa-se com a experiência de adoecimento e com a pessoa de forma holística. Tendo em vista que as demandas refratárias ao método clínico tradicional são muito mais frequentes na atenção primária, foi a medicina de família e comunidade que mais se identificou com o método. A Organização Mundial da Saúde, em seu Relatório Mundial de 2008, dedicado à atenção primária em saúde, recomenda a medicina centrada na pessoa, reconhecendo seus benefícios para o paciente, mas também para os profissionais de saúde, mais satisfeitos e realizados profissionalmente. 

Clínica ampliada e compartilhada
Os dois adjetivos apostos à palavra clínica referem-se à ampliação do objeto, meios e objetivos, e ao maior protagonismo do paciente nos encontros clínicos, respectivamente. O objeto de atenção da clínica tradicional é a doença. Na clínica ampliada, enfatiza-se o sujeito e o contexto, porém, sem descuidar da doença. Por isso, o adjetivo ampliada. A expressão foi cunhada por Gastão Wagner de Sousa Campos, professor titular de saúde coletiva da faculdade de ciências médicas da universidade estadual de Campinas (Unicamp) e diz respeito à clínica do sujeito a partir de influências de Basaglia, Sartre e Gramsci. Do primeiro, Campos aproveitou a valorização da fala do sujeito adoecido ou com risco de adoecer, a inclusão deste na elaboração de seu próprio projeto terapêutico, a recusa à objetivação e redução da pessoa doente à um caso de doença. De Sartre, emprestou o conceito do sujeito como responsável por suas decisões e pelo seu caminhar na vida, avesso à postura passiva de que o outro (profissional de saúde) é que decide, sozinho, a trajetória futura da pessoa doente. Nesse sentido, a clínica ampliada e compartilhada se distancia da clínica tradicional por não admitir a dominação consentida (conceito de Gramsci), isto é, a postura de concordância passiva do paciente em relação ao profissional da saúde detentor do saber e poder. Assim, a consulta transforma-se em espaço tanto da prática médica no seu sentido estrito, mas também de pactuação e negociação.  
Neste tipo de clínica, há espaço para demandas singulares, para o imprevisível, para demandas que não podem ser simplesmente encaixadas em doenças. Isso exige ferramentas outras que a anamnese tradicional, o exame físico e o raciocínio patofisiológico. Há necessidade de se explorar a história de vida dos sujeitos, uma escuta menos seletiva, menos dirigida e mais aberta e tolerante com o inesperado e o imprevisível, da contribuição da clínica de outras categorias profissionais que não o médico, de outras teorias além da biomedicina, de reuniões de equipe, apoio matricial, construção de projetos terapêuticos singulares. Tem como objetivos não somente  a prevenção, cuidado, tratamento e cura das doenças, a reabilitação, a promoção da saúde, mas também que a pessoa faça escolhas, siga caminhando na vida, e não se reduza à doença que porventura a acompanhe.

A complexidade da clínica contemporânea na atenção primária
O método clínico tradicional continua hegemônico, potente, com valor de uso, ainda mais confiável com os aportes da medicina baseada em evidências, porém não suficiente e adequado para responder à grande parte das demandas que afloram nos encontros clínicos da atenção primária, onde os discursos dos pacientes podem chegar ainda “crus”, desorganizados, sem a intervenção prévia da medicina, relacionados à esfera sócio-cultural, subjetividade e singularidade dos sujeitos. Ainda assim, espera-se que a equipe de saúde da família resolva de 85% à 90% de todas as demandas que recebe. Para tanto, não basta a clínica tradicional, e talvez nem a organização atual da rede de atenção à saúde, ainda fragmentada e com dificuldade de comunicação entre seus diferentes pontos. 
Nos encontros clínicos, os profissionais da Saúde da Família precisam conversar  sobre a história da doença, sintomas, itinerários terapêuticos, experiências de adoecimento, história de vida, crenças, relações familiares e profissionais, ocupações, situação sócio-econômica, interesses, desejos, sentimentos, medos, projetos para o futuro. Também precisam abrir espaço para falas não previstas. Essa maior abrangência de objetos de interesse possibilita compreender melhor a determinação do processo saúde-adoecimento dos diferentes e singulares indivíduos, famílias e coletividades e vislumbrar uma diversidade maior de estratégias de solução. As atividades cotidianas dos profissionais da atenção primária acompanharam tais mudanças no sentido de maior diversidade e complexidade. Se no passado eram suficientes as consultas individuais, hoje não. Somaram-se a elas as consultas conjuntas com outros profissionais, grupos educativos e/ou terapêuticos, visitas domiciliarias, reuniões de equipe, discussão de casos, construção de projetos terapêuticos singulares, projetos de intervenção coletivos, encontros e ações intersetoriais, trabalho multidisciplinar e interprofissional, ações de vigilância em saúde, educação em saúde, educação permanente, coordenação do cuidado, trabalho em rede, participação na gestão através de colegiados de unidades e participação social em conselhos locais e de outras esferas. Essa forma abrangente de conceber o campo da medicina parece trazer maior satisfação aos profissionais da área da saúde e seus pacientes desde que disponham de condições adequadas e satisfatórias.  Caso contrário, pode gerar sofrimento.
O enorme avanço na compreensão ampliada e holística do processo saúde-doença  necessita de correspondente transformação no modo de organizar a atenção à saúde, exigindo de gestores e formuladores de políticas públicas um olhar também ampliado no sentido de repensar processos de trabalho, contratualizações, papéis das diferentes categorias profissionais. Da mesma forma, o ensino das profissões da área da saúde deve avançar na mesma direção.

Em suma, o crescimento da atenção primária e a complexidade da sociedade contemporânea têm colocado o desafio de uma prática médica mais complexa e abrangente, diferente daquela que tradicionalmente é ensinada nas escolas médicas. 

domingo, 20 de agosto de 2017

Trabalhador rural em Campinas (SP)


La tuberculose dans Les Semailles et les Moissons

      Les Semailles et les Moissons est un roman en cinq volumes écrits entre 1953 et 1958. L’auteur, d’origine russe, était né à Moscou, en 1911. Avec son nom de bathême - Leon Tarassof - émigra en France avec ses parents, autour de 1918, afin d’échapper à la violente persécution de la part des bolcheviques révolutionnaires. Encore jeune, s’est lancé à la passion d’écrire romans et a choisi le nom Henry Troyat afin de captiver de lecteurs francophones. 
Le premier volume de Les Semailles et les Moissons raconte l’histoire du couple Maria et Jerôme Aubernat, leur fille Amélie et son frère Denis, habitants de la Chapelle-au-Bois, un petit village du nord-est de la France, et est apparu moins de dix ans après la découverte de la streptomycine, le premier antibiotique utilisé pour le traitement de la tuberculose, en 1944. (TROYAT, 1953; LYONS e PETRUCELLI, 1987, p. 590) 
Maria est tombée malade vers l’année 1912. Plusieurs années plus tard, sa petite fille Élisabeth, elle aussi, eût des symptômes qui ont fait le médecin penser à la même maladie de sa grand mère: 
Votre petite Élisabeth se développe mal, elle perd du poids, elle est anémique, hypernerveuse… L’hiver dernier, c’était une bronchite avec menace de point pulmonaire, au printemps, des ganglions, hier la pelade… Tout cela se tient, se complète… Ne m’avez-vous pas dit qu’il y avait eu un cas de tuberculose dans votre famille? 
Amélie fit une aspiration étranglée, pâlit et balbutia:
- Oui, docteur, ma mère… (TROYAT, 1956, p. 94)
D’après le texte de Troyat on peut mieux connaître l’histoire de la médecine du début du XXème siècle, en particulier de la tuberculose.
Les fragments suivants, où sont décrits des symptômes propres de cette maladie, permettent au lecteur de soupçonner le mal qu’affligeait Maria: 
Le lendemain matin, après avoir fait sa toilette et bu un bol de café brûlant, Maria dut se remettre au lit. Ses jambes ne la portaient plus. Elle se plaignait de frissons et de maux de tête. Des accès de toux secouaient sa poitrine et la laissaient affaiblie, la bouche humide, le regard inquiet. (TROYAT, 1953, p. 116)
[…]
A cinq heures, Amélie monta rendre visite à sa mère et la trouva épuisée par une brusque poussée de fièvre. (TROYAT, 1953, p. 120)
[…]
Le sirop n’arrive pas à calmer sa toux. Et puis, la fièvre, la fatigue, le manque d’appétit… Elle n’est pas solide. (TROYAT, 1953, p. 123)
[…]
Elle haletait. Ses narines se pinçaient. Ses lèvres s’ouvraient largement aux commissures. Un accès de toux sèche la rejeta en arrière. (TROYAT, 1953, p. 127)
[…] 
A cinq heures, elle prit la température de sa mère.
- Combien, ce soir? demanda Maria.
- 37,8˚, dit Amélie.
Elle mentait. Le thermomètre marquait 38,5˚.    
Sa fièvre baissait chaque matin et revenait vers le soir avec une insistance alarmante. Elle se plaignait d’une gêne respiratoire, d’un point douloureux sous l’omoplate gauche. (TROYAT, 1953, p. 129)
En moins de trois semaines, la maladie avait usé Maria au point de la rendre méconnaissable. La peau de son visage était tendue à craquer sur une ossature fragile. Ses yeux, profondément enfoncés, brillaient au creux d’une ombre charbonneuse. Un rictus misérable ouvrait les commissures de ses lèvres. Elle respirait prudemment, se plaignait de migraines et ne pouvait souffrir l’odeur des plats qu’on lui présentait. Chaque matin, au réveil, de violentes quintes de toux arrachaient à sa bouche des crachats jaunâtres, qu’elle considérait ensuite avec stupeur dans la cuvette. (TROYAT, 1953, p. 134) 
Les deux principaux symptômes de la tuberculose y sont présents: la toux et la fièvre. La toux, en générale, se présente par des accès très intenses et qui ne se calment pas facilement. Au contraire, ils augmentent à mesure que la maladie avance et peuvent s’accompagner d’hémoptysie. 
L’auteur a eu le soin de laisser claire au lecteur que la fièvre insistait en venir vers le soir et baisser chaque matin, une caractéristique bien marquée dans la tuberculose et pas habituelle dans d’autres infections respiratoires comme, par exemple, la pneumonie.
Le manque d’appétit et la fatigue, capables de l’affaiblir à tel point que Ses jambes ne la portaient plus, l’obligeaient a rester au lit, indiquant que la maladie n’était probablement  pas aigüe, mais plutôt de longue durée, comme la tuberculose.
En ce qui concerne la cause de la maladie, dans le deux cas, de Maria et de sa petite fille Elisabeth, les microbes sont mentionnés. Le docteur Delattre, appelé pour soigner Maria, expliqua à sa fille Amélie:
En fortifiant le terrain par une alimentation appropriée, nous le rendrons réfractaire aux bacilles, vous comprenez? (TROYAT, 1953, p. 130)
Le D Delattre était moins optimiste. Sans rien changer au traitement, il ne parlait plus de bronchite, mais de bacillose. (TROYAT, 1953, p. 134)
L’origine microbienne de la tuberculose était connue dès la deuxième moitié du XIXème siècle, après les travaux de Pasteur et Koch. En réalité, on peut considérer que la chasse aux microbes commença longtemps avant, à partir de la découverte du microscope par Antony Leeuwenhoeck, un hollandais, né à Delft en 1632, qui jamais fut à l’Université, mais qui, pendant plusieurs années, observa la nature à travers des lentilles faites par lui-même car “It would be great fun to look a lens and see things bigger than your naked eye showed them to you”. (KRUIFT, 1940, p. 3) Louis Pasteur (1822-1895), en étudiant la fermentation, contribua à l’abandon de la théorie de la génération spontanée et l’adoption de la théorie microbienne des maladies. Robert Koch, à son tour, découvrit la bactérie responsable de la tuberculose en 1882, ce que lui vaudra le prix Nobel de Physiologie et Médecine en 1905. Jusqu’à cet époque-là, on croyait encore à l’hérédité comme un possible facteur déterminant. (PORTER, 1996, p.184-185; NORO, 1999, p. 25; KIRIOW, 2015, p. 58-59)  
La Grive est le titre du troisième volume des Semailles et les moissons. Ce nom surgi d’un jeu proposé par la directrice de la Pension Sainte-Colombe où Élisabeth fut envoyée pour grossir et prendre des couleurs (TROYAT, 1956, p. 96).
Enfin, Mlle Quercy parut, saluée par une exclamation de bienvenue. Souriante et calme, le geste précieux, elle apaisa l’énervement de son public et ouvrit la boîte, qui était pleine de carrés de carton. Chaque carré de carton portait le dessin d’une bête. La règle du jeu était simple. À tour de rôle, les élèves, fermant les yeux, devaient tirer une gravure, pour apprendre, d’une façon magique, à quel animal elles ressemblaient.[…]
Élisabeth, une main sur les yeux, hésita longtemps avant de se décider. Des jalouses grognaient dans son dos:
- Elle triche! Elle lorgne entre ses doigts!
Ce n’était pas vrai. Loyalement aveuglée, elle attendait l’intuition. Enfin, elle avança les doigts, saisit un carton, le regarda et poussa un soupir de dépit: elle avait tiré l’image d’un petit oiseau gris et roux, au ventre clair marqué de taches et au bec pointu. Cet animal n’avait aucun rapport avec elle, et, pourtant, toutes ses camarades manifestaient une satisfaction absurde.
- C’est une grive, dit Mlle Quercy. (TROYAT, 1956, p. 145)
    C’est possible que la satisfaction de ses camarades ait un rapport avec la locution "Être soûl comme une grive" (être complètement ivre) qui vient de ce que, au temps des vendanges, les grives mangent beaucoup de raisin.  (DICTIONNAIRE LITTRÉ, 2016)
Dans La Grive, Amélie dit au docteur Brouchotte, pendant la consultation de sa fille Élisabeth, que sa mère est morte à cause de ce froid, de cette humidité en Corrèze, où le climat est très rude.
L’explication climatologique de la maladie de Maria (la mère d’Élisabeth) est un héritage de la médecine hippocratique - traité Des Airs, des Eaux et des Lieux (EDLER, 2011, p.28). La climatologie - l’étude des climats et de leur influence sur l’organisme humain - a été très importante jusqu'à la moitié du XXème siècle. Dans son Précis d’hydrologie et de climatologie clinique et thérapeutique, Delore et Milhaud (1952, p.144) nous enseignent que l’humidité froide favorise les affections des voies respiratoires et certaines épidémies. 
Le roman de Troyat nous permet aussi de savoir comment les médecins procédaient pour faire le diagnostic des maladies. Dans le cas de Maria, au petit village de la Chapelle-au-Bois, vers 1912, le médecin venait, le plus souvent, à la maison:
   Le médecin ne put se présenter que tard dans la soirée, après la fermeture du magasin. C’était un homme d’une trentaine d’années, petit, malingre, avec un visage flétri par l’insomnie, de gros yeux bleus à fleur de tête, et des cheveux d’un blond verdâtre, qui lui descendaient en pointe dans le cou. Maria exigea de rester seule avec lui pendant l’auscultation. Relégués dans le couloir, Amélie et Jérôme ne quittaient pas du regard la porte qui leur dérobait une scène inimaginable: un homme collant son oreille contre le dos de Maria, lui tapotant la poitrine avec son doigt et lui posant des questions qui la faisaient rougir de honte. Après dix minutes d’attente, ils entendirent la voix de la malade qui les appelait faiblement:
- Venez, c’est fini.
Assis devant un petite table à ouvrage, le docteur rédigeait son ordonnance. (TROYAT, 1953, p. 120)
Plus tard, quand la petite Élisabeth tomba malade à Paris, c’est elle qui fut, avec sa mère, rendre visite au docteur:
Lorsque les cheveux d’Élisabeth eurent atteint un centimètre de longueur à l’endroit des plaques de pelade, sa mère la conduisit chez le docteur Brouchotte, qui avait exigé de la voir à la fin du traitement. (TROYAT, 1956, p. 92)
C'est au cours des premières décennies du XXème siècle que les médecins ont cessé de voir leurs malades chez eux pour les recevoir essentiellement dans leurs cabinets ou à l’hôpital, au même temps que les villes grandissaient, les moyens de transport se développaient et q'une véritable révolution pharmacologique bouleversa les relations entre le praticien et son patient. 
Le développement des spécialités prit grand élan dès la première moitié du XXème siècle. Élisabeth et Amélie se sont rendus à l’hôpital pour consulter un dermatologue, suivant le conseil du docteur Brouchotte:
Le docteur Brouchotte fut formel: il s’agissait d’une pelade. Cette maladie d’origine nerveuse étant très délicate à soigner, le médecin conseillait d’amener l’enfant à l’hôpital Saint-Louis, où elle serait examinée par le professeur Étienne, grand spécialiste des questions dermatologiques. (TROYAT, 1956, p. 59)
Dans le cas des maladies pulmonaires, l’auscultation immédiate et la percussion du thorax étaient les méthodes propédeutiques habituels:
Le docteur Brouchotte s’assit devant elle, l’emprisonna entre ses genoux, la palpa, lui fit tirer la langue, scruta le blanc de ses yeux, tapota ses côtes d’un doigt sec et sonore, écouta ce qui se passait en elle, d’abord à travers une sorte de téléphone, puis en lui appliquant une serviette contre les omoplates et en collant son oreille tiède par-dessus:
- Respire… ne respire plus… Tousse… ne tousse plus… Dis trente-trois…  
Quand le médecin tapota la poitrine de Maria ou les côtes d’Élisabeth, il pratiqua la percussion por avoir “une idée générale de la sonorité du thorax. Dans ce but, de l'extrémité des doigts recourbés, on frappe directement la paroi thoracique[…] Une élévation de la tonalité rend compte d’une condensation solide ou liquide sous-jacente, une intensité plus grande du son de percussion rend compte d’un épanchement gazeux ou d’un emphysème pulmonaire sous-jacent.” (BARIÉTY e BROUET, 1947, p. 18 e 20) 
Selon Bariéty et Brouet (1947, p. 21), l’auscultation "c’est le temps essentiel” de l’examen physique. Ils nous enseignent que “Selon l’habitude à laquelle vous êtes rompu, employez la serviette d’auscultation ou d’emblée le stéthoscope.”
À remarquer que même beaucoup après la publication de Laennec sur L’auscultation médiate ou Traité du diagnostic des maladies des pulmons et du coeur, fondée principalement sur ce nouveau moyen d’exploration, en 1819, les médecins continuaient à réaliser l’auscultation immédiate, collant son oreille contre le dos du malade. Soit en 1912, quand Maria était malade, soit vers 1924, à l’occasion de la visite d’Élisabeth et sa mère au docteur Brouchotte, ce type d’auscultation faisait encore partie de la pratique clinique. On peut s’imaginer que les médecins portaient toujours, parmi ses outils, une serviette propre, probablement blanche, pour réaliser l’auscultation immédiate. Probablement, c’étaient les femmes qui s’occupaient de maintenir cet instrument de travail propre et disponible pour les médecins. Est-ce qu’ils portaient plus d’une serviette dans leurs valises ou ils utilisaient la même sur différents malades?  
Une fois qu’il n’y avait pas d’antibiotique disponible pour le traitement des infections, d’autres moyens étaient employés pour soigner les malades:
- Je ne suis pas si malade! reprit Maria. Quelques heures de lit et les forces reviendront. Avec ses mixtures, le docteur ne ferait que me tourner l’estomac. (TROYAT, 1953, p. 117)
[…]
Après le déjeuner, comme elle paraissait encore fiévreuse, Amélie décida de lui poser des ventouses. Mais Maria refusait de se laisser faire. Pendant que sa fille essayait de la raisonner, Jérôme retourna à la forge. En gardant la porte de l’atelier ouverte, il lui était facile de surveiller aussi le magasin.
- Tu vas me brûler avec tes ventouses! geignait Maria. Je ne veux pas!… (TROYAT, 1953, p. 117)
[…]
- Ne t’occupe pas de la vente, maman, murmurait Amélie. Je vaux te soigner. Sois sage. Après, tu te sentiras mieux.
Elle avait préparé les ventouses et la lampe à alcool sur la table de chevet. Maria considérait ces objets avec une crainte puérile, qui tirait les coins de sa bouche:
- Tu crois vraiment que c’est nécessaire?
- J’en suis sûre! 
La malade soupira, se tourna sur le ventre et remonta sa chemise jusqu’aux épaules. Amélie chauffa les ventouses, l’une après l’autre, et les appliqua prestement sur le dos nu et maigre de sa mère. La peau se gonflait, violette, sous les cloches au dôme brillant. Maria gémissait:
- Celle de gauche me tire, me tire!…
- Tant mieux, c’est qu’elle prend bien!
Jérôme entrebâilla la porte.
- N’entre pas! cria Maria.
- Non, non, dit Jérôme en faisant un pas en arrière.
Il paraissait horrifié par la vue de sa femme, aplatie, la face dans l’oreiller, les cheveux défaits et la chair du dos hérissée de grosses bulles de verre. Amélie plaça une nouvelle ventouse sous l’omoplate gauche. Maria fit un mouvement. Les petits vases dérangés se heurtèrent dans un tintement cristallin. (TROYAT, 1953, p. 118)
[…]
Amélie détacha la dernière ventouse, qui se sépara de la peau avec un léger bruit de succion, rabattit la couverture sur le dos de la malade et prit le carnet que lui tendait son père. Tandis qu’elle se livrait à ce calcul, Maria se retourna dans son lit et montra à la lumière un figure ravagée par la transpiration. (TROYAT, 1953, p. 119)
[…]
Assis devant une petite table à ouvrage, le docteur rédigeait son ordonnance.
- Eh bien! dit-il, nous sommes en présence d’une bonne bronchite, qui tombe sur un terrain… en quelque sorte prédisposé…
- Mais ce n’est pas grave? demanda Jérôme.
- Non, non. Sérieux, mais pas grave. Des bons soins, le repos… Vous avez bien fait de poser des ventouses… Ajoutez-y des tisanes chaudes alcoolisées, le sirop thébaïde que je vous prescris… (TROYAT, 1953, p. 120-121)
[…]
- Je ne vous cache pas, dit le Dr Delattre, que nous devrons la garder au lit plus longtemps que je ne le prévoyais.
Rester quelques heures au lit faisait partie du traitement recommandé. Selon le docteur Poix (1950, p. 463), vers 1950, le traitement hygiéno-diététique restait encore la base de la thérapeutique antituberculeuse et comprenait la cure d’air, la cure de repos et le régime alimentaire. 
La cure d’air: la nuit, séjourner au mois douze heures dans une chambre exposée au sud ou au sud-ouest dont la fenêtre sera ouverte en toute saison, sauf par les temps humides et avoir le soin de se bien couvrir afin d’éviter le froid. Le jour, faire la cure dehors. (POIX, 1950, p.462)
La cure de repos et de silence: rester horizontalement étendu de trois à six heures, chaque jour, sur une chaise-longue en rotin ou en bois coudé, à dossier mobile, recouverte d’un bon matelas de laine et de crin, en se protégeant contre le froid à l’aide de couvertures de laine et de boules d’eau chaude, dans un endroit abrité contre le vent, les rayons solaires et les poussières. (POIX, 1950, p.462)
La cure exigeait la suppression de toutes les causes de fatigue et comportait le repos physique, pulmonaire (éviter respirations profondes, chant, lectures à haute voix), moral (mener une vie calme, sans émotions et écarter les préoccupations professionnelles), intellectuel (lire, écrire et parler le mois possible) et sexual (les “embrasés" diminuent leurs chances de guérison). (POIX, 1950, p.463)
Le régime alimentaire comprenait une alimentation substantielle et variée. En cas d’alimentation insuffisante, à certains anorexiques, on recommandait "du lait, ou de l’huile de morue blonde ou ambrée, ou 1 ou 2 oeufs crus, ou encore 150 grammes de viande de cheval, râpée, pulpée et tamisée, ingérée en boulettes dans du potage, ou enrobée dans du sucre en poudre ou bien sur une tartine mélangée à de la confiture de groseilles”. (POIX, 1950, p.463) 
Le sirop thébaïde était destiné aux cas où il y avait de la toux persistante. (POIX, 1950, p.469)
Enfin, on peut conclure que c’est possible d'enseigner ou d’apprendre la médecine ou l’histoire de la médecine d'une façon très interessante et original à travers la littérature, comme on l’a vu avec Les Semailles et les Moissons d’Henri Troyat. 
  Références bibliographiques
Bariéty M e Brouet G. Phtisiologie do médecin praticien. Paris: Masson & Cie Éditeurs, 1947. 401p.
Delore P e Milhaud M. Précis d’hydrologie et de climatologie clinique et thérapeutique. Paris: Gaston Doin et Cie Éditeurs, 1952. 538p.
Dictionnaire Littré. Grive. Disponível em: http://www.littre.org/definition/grive. Acesso em 15 de janeiro de 2016.
Edler FC. A medicina no Brasil imperial: clima, parasitas e patologia tropical (online). Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2011. 218p. História e saúde collection. ISBN 978-85-7541-337-1. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>. Acesso em 19/8/2017.
Kiriow I. Pasteur: une vie au service de la science et de l’homme. Larousse, 2015. 96p.
Kruift P. Microbe hunters. New York: Pocket Books, Inc., 1940.
Lyons AS e Petrucelli RJ. Medicine: an illustrated history. New York: Harry N. Abrams, Inc., Publishers, 1987. 
Noro JJ. [coordenador]. Nobel: o prêmio e o homem. São Paulo: JSN Editora Ltda, 1999.
Poix G. Tuberculose pulmonaire. In: Ravina A [org.]. Les ordonnances du médecin praticien. Paris: Masson et Cie Éditeurs, 1950. 514p. 
Porter R. The Cambridge illustrated history of medicine. New York: Cambridge University Press, 1996.
Troyat H. Les semailles et les moissons. Paris: Librairie Plon, 1953.
Troyat H. Les semailles et les moissons: la grive. Paris: Librairie Plon, 1956.

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Doenças dos judeus

    Doenças dos judeus é o título de um dos capítulos do livro Doença dos trabalhadores, escrito por Bernardino Ramazzini - o pai da medicina do trabalho, no ano de 1700. Não obstante tratar-se de obra amplamente conhecida pelos profissionais ligados à medicina do trabalho, muito em decorrência de traduções para vários idiomas, sendo a brasileira de Raimundo Estrêla, ainda há espaço para novos mergulhos e aprendizados.
Chama a atenção o fato de haver um capítulo dedicado aos judeus uma vez que o livro foi organizado por ocupações: doenças dos mineiros, coveiros, massagistas, químicos, oleiros, pintores, ferreiros, e assim por diante.
Ramazzini foi médico, professor de medicina, poeta e músico. É considerado um dos precursores da medicina social. Interessou-se, entre outros, pelos judeus que viviam "mal, apertados em estreitas ruelas” e atribuiu os males dos judeus do século XVII à miséria, fome, condições de moradia e atividades ocupacionais, e não à raça, genética ou endemia. (Ramazzini, 2016, p. 177-178) 
As principais doenças ou situações associadas aos judeus eram problemas respiratórios (rouquidão, tosse violenta, dispnéia, tísica), oculares (vista fraca, miopia, remelas), cutâneos (sarna), emocionais (melancolia e mal-humor), otológicos (surdez e dores de ouvido), sedentarismo, caquexia, distúrbios estomacais, cefaléia e dor de dente. (Ramazzini, 2016, p. 177-180) 
As atividades responsáveis pelos males seriam a costura em ambientes pequenos, escuros e pouco ventilados, limpeza e amolecimento de colchões velhos e fabricação de papel a partir de roupas velhas. (Ramazzini, 2016, p. 177-180) A descrição feita por Ramazzini sobre o processo de trabalho denota apurado senso de observação, indispensável a quem se interessa pela relação entre o trabalho e a doença, mas também útil para se ter um panorama de como era a vida cotidiana dos judeus de então:
Dedicavam-se a remendar sapatos e roupas velhas, viviam de costurar, sobretudo as mulheres casadas; não fiam, nem cardam, nem tecem, sendo a costura a única arte de Minerva que conhecem. Nesta arte são destacados e excelentes, arranjando roupas de lã, seda ou de qualquer outro material, sem que fique vestígio algum da costura; em Roma chamam a isto rinacchiare. Enganam o povo incauto vendendo-lhe objetos usados, porém com defeitos habilmente consertados, e ganham seu sustento retocando objetos.[…] as mulheres hebreias, atarefadas o dia inteiro e parte da noite ao lado de uma fraca luz de candeia, parca iluminação, como de lâmpadas funerárias[…] sentam-se junto a janelas abertas em qualquer época do ano para receber um pouco de claridade[…] Os homens sentados durante todo o dia, em suas tabernas, repassando roupas, ou parados, esperando a quem vender os vestuários vetustos[…] Além da profissão de remendar, têm, pelo menos na Itália, a de arranjar os colchões de lã, a qual se endurece, amassada pelo contínuo deitar durante anos; estendem os colchões sobre grades de vime, sacodem-nos e os batem com varas, e assim amolecem e se tornam mais agradáveis para o descanso. Ganham bastante com esse trabalho, percorrendo as casas das cidades; ao cardarem e baterem a lã velha, suja e urinada muitas vezes, aspiram sujeiras pulverulentas provocadoras de graves danos[…] Na minha opinião não é tão perniciosa a poeira por porvir de lã velha, e sim por causa das impurezas que se misturam com a lã. Temos o hábito, quando morre alguma pessoa da família, e fazem-se as exéquias, de entregar às lavadeiras os lençóis, as camisas e demais indumentárias usadas pelo doente a fim de lavá-las e limpá-las; a um judeu entregam-se os colchões de lã para batê-los ao sol, asseando-os. Eles, assim como os empregados nos serviços fúnebres, não podem deixar de receber elementos mortíferos e contrair nesse tempo alguma perturbação nos pulmões.[…] Com as roupas velhas de linho e de cânhamo arruinadas pelo uso prolongado, amolecidas depois em água, poídas e machucadas, fabricam papel para escrever, como sabemos, por meio de um engenhoso e admirável artifício que os antigos não conheciam.[…] Esta gente, ansiosa por lucro, sabe juntar objetos de todo o mundo (já disse Juvenal que isso faziam em sua época), gritando pregões de rua em rua para conseguir recolher e comprar rebotalhos a preço vil para revendê-los oportunamente, em grande quantidade, aos fabricantes de papel. Voltam os judeus a suas casas carregados com embrulhos de mercadoria e ali separam cuidadosamente, do montão de resíduos, trapos de lã e seda que não se utilizam na fabricação do papel (embora se exiba no Museu Septalino um papel chinês de seda), acumulando depois nas suas tabernas os sórdidos despojos. Surpreendente e incrível exalação desprende-se todas as vezes que movem esse lixo e, com essa mercadoria sórdida, enchem enormes sacos para levá-los às manufaturas de papel.  (Ramazzini, 2016, p. 177-179)
Além da grande contribuição para a medicina do trabalho no que se refere à relação entre atividade ocupacional e doença, há outra, menos explícita, mas igualmente relevante, da relação entre religião, lugar dos judeus na estrutura social, atividade ocupacional e doença. É o que será discutido a seguir.
Edgar Morin chama a atenção para o fato de que, enquanto existiu um reino de Judá, tendo como capital Jerusalém, a noção de judeu esteve ligada ao mesmo tempo à religião, ao pertencimento ao povo hebreu e à nação cuja capital era Jerusalém. No entanto, após a destruição da nação, quando o país passou a província da Sírio-Palestina e colônia romana proibida aos judeus, no século II, o que os definia era apenas a religião, e, mesmo espalhados, foram capazes de conservar certa unidade. (Morin, 2012, p. 21)
A partir do momento em que o cristianismo se estabeleceu como religião oficial do império romano, todo e qualquer proselitismo judeu era ameaçador e, portanto, não aceito. O anti-judaísmo ultrapassaria inclusive a dimensão teológica e se tornaria popular, de forma que males que assolavam a Europa medieval, como epidemias de peste ou de cólera, eram frequentemente atribuídos aos judeus, justificando massacres e perseguições, como durante a Inquisição. Em razão desse sentimento anti-judaico, foram obrigados a viver em guetos e proibidos de exercer várias ocupações, ficando restritos a poucas atividades como o comércio de roupas usadas e o empréstimo de dinheiro (que era proibido aos cristãos). (Morin, 2012, p, 23-26) Dessa forma, é possível compreender porque Ramazzini dedicou um capítulo às doenças de um povo (os judeus) em seu livro que, de regra, está organizado de acordo com as ocupações. Em outras palavras, a costura passou a ser uma ocupação típica de judeus. E não por escolha.
Em suma, as doenças descritas por Ramazzini estão relacionadas a pessoas pobres, que se dedicavam à costura de roupas velhas com muita sujeira e poeira, em ambientes mal ventilados e iluminados: doenças pulmonares, oculares e cutâneas, predominantemente. Nesse caso, a fé religiosa foi determinante na morbidade desse povo. 
O tratamento proposto por Ramazzini consistia em ginástica corporal, afastar as mãos e olhos da mesa de trabalho durante algumas horas, purgações e cobrir o rosto e o nariz para que as partículas aéreas não chegassem tão facilmente ao interior do corpo. 


Morin E. Le monde moderne et la condition juive. Lonrai (Orne-France): Éditions Points, 2012.  

  Ramazzini, Bernardino. As doenças dos trabalhadores [texto] / Bernardino Ramazzini ;  tradução de Raimundo Estrêla. – 4. ed. – São Paulo : Fundacentro, 2016. 321p.:il.color.;24cm. 

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Ama de Leite


Professores de medicina e pesquisadores têm se interessado cada vez mais pela relação entre a literatura e o ensino médico. Algumas faculdades inovaram e incluiram no currículo o ensino de determinado temas, habilidades ou atitudes através de obras literárias e/ou construção de narrativas.  
Aqui, pretendo discutir o aleitamento materno a partir de curta passagem do romance "Tant que la terre durera…”, publicado em 1947 pelo escritor Henri Troyat.  Característica singular e marcante do romancista francês é o cuidado com detalhes e com o momento histórico que cerca a trama. 
O trecho escolhido se passa em Moscou, em 1905, quando a aristocracia russa, a duras penas, agarrava-se ao poder. Tania está grávida e, na companhia da amiga Eugenia, cuida dos preparativos para a chegada do primeiro filho: 
  
Todas as possibilidades de compra tendo sido esgotadas desde o final de janeiro, Eugenia e Tania passaram a se ocupar da escolha da ama de leite para o herdeiro dos Danoff. Elas convocaram, a partir de recomendação, uma camponesa forte, com seios generosos, rosto arredondado e olhar tranquilo de novilha. A futura ama de leite se chamava Prascovie. Tinha tido um filho naquele mês, mas ela não sabia exatamente quem era o pai. Havia tantos homens na cidade! E tanto trabalho! Era talvez Agaphon ou Guérassime? Para que quebrar a cabeça? Prascovie migrara a Moscou a fim de se colocar como ama de leite numa casa honrada. Tania e Eugenia examinaram a camponesa com rigor. Elas lhe enxergaram um aspecto saudável, rosto amável, e seios  bem inchados.
- Vocês podem apalpar, disse Prascovie enquanto exibia o tórax com orgulho. Estão cheios. Na cidade, para divertir os meninos, eu fazia jorrar leite na cara deles. Comigo, o seu pequeno será alimentado de acordo com sua fome, eu garanto.
E ela ria com seus belos dentes brancos.
O médico de Tania, tendo auscultado Prascovie, examinado seu sangue, analisado seu leite, lhe reconheceu excelentes condições para a amamentação.1  

O trecho acima permite olhar para a questão da amamentação além do enfoque biológico que estabeleceu o aleitamento materno como prática inquestionável, a ser constantemente estimulada em razão dos benefícios tanto para a saúde da criança como da mãe, e lembrada enfaticamente durante a Semana Mundial da Amamentação, comemorada em 150 países, desde 1992. A redução da mortalidade infantil observada em vários países deve muito a essa campanha pelo aleitamento materno. No entanto, o texto de Troyat nos obriga a recuperar o significado cultural e social da amamentação.
Não apenas o fato de deixar a amamentação a cargo de outra mulher, mas também a posição de ambas na estrutura social moscovita e os trâmites e diálogos por ocasião da seleção da ama de leite, e o papel do médico despertam interesse. 
A ama de leite tem origem no campo, é pobre, desempregada, promíscua e mãe solteira. Tania, por sua vez, é mulher rica, esposa do senhor Danoff. Assim, o ato de amamentar cabe à mulher da classe social inferior que assume valor pelo fato de ter seios generosos e cheios de leite. Nesse sentido, há certa identificação da mulher pobre com a porção animal, mais primitiva do ser humano, enquanto que a mulher aristocrata seria menos corpo e mais evoluída do ponto de vista civilizatório. Não se pode fazer parte da aristocracia e ter seios generosos, cheios de leite, e muito menos usá-los para a amamentação. O corpo da mulher pobre, ao contrário, pode ser oferecido ao rico, apalpado e usado. Essa reflexão, possível de ser extraída do trecho de Troyat, teria perdido relevância mais de um século depois? Ou continua presente na raiz dos debates atuais sobre a amamentação em lugares públicos? 
E o médico, qual seu papel nessa trama? Ao que parece, cabia a ele chancelar esse modo de conceber a amamentação. A ciência a serviço da divisão social dos atos biológicos. O médico é que deveria dizer se a ama de leite era suficientemente saudável para alimentar o filho da mulher rica. Além de examinar o sangue e analisar o leite, houve cuidado especial com os pulmões, muito provavelmente devido a alta prevalência de tuberculose na era anterior ao desenvolvimento da farmacologia (o primeiro antibiótico efetivo no combate à tuberculose - estreptomicina - só foi usado a partir de 1944). De qualquer forma, o médico não se mostrava incomodado com a ausência da mãe rica no processo de amamentação. A ciência em consonância com o momento histórico, cultural e social. Não era de se esperar qualquer postura diferente haja vista que, em geral, os médicos, socialmente falando, costumam estar muito mais próximos das elites, estando, portanto, familiarizados com o modo hegemônico de ver o mundo. O que seria de se estranhar seria se Troyat tivesse feito o médico sugerir à mãe rica que amamentasse seu filho.
Concluindo, o curto trecho do romance "Tant que la terre durera…” permitiu reflexões sobre tema ainda muito atual que é a amamentação, corroborando a potência do uso da literatura no ensino médico.       

1- Troyat H. Tant que la terre durera…. Paris: Les Editions de La Table Ronde, 1961, p. 634.