Me lembrei do professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa enquanto observava o paciente alto, grande, com fisionomia desanimada, entrar em passo lento, cansado, no consultório.
Convidáramos o professor Giannoni a ministrar uma aula a nós, alunos do 6˚ ano, ávidos por conhecer os segredos da profissão que exerceríamos em poucos meses. Aprendemos com ele que a consulta começava mesmo antes do paciente entrar e sentar, que deveríamos observá-lo já no seu trajeto entre a sala de espera e a cadeira do consultório. Não sei por qual razão, mas me lembrei, ao observar a aproximação do enfermo, de Giannoni imitando diferentes doentes entrando: com sequela de AVC, com insuficiência cardíaca, com doença respiratória, com escabiose.
Ao decidir escrever estas linhas, fui atrás de informações do saudoso professor. E que grata surpresa encontrar o texto "Fortunato Gabriel Giannoni”, escrito pelos professores Milton Luiz Gorzoni e Raimundo Raffaelli Filho, nos Arquivos Médicos dos Hospitais e da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo 2013; 58: 50-3) (http://arquivosmedicos.fcmsantacasasp.edu.br/…/article/view…). Graças a Gorzoni e Raffaelli, não apenas revi Giannoni, mas conheci outras incríveis histórias que tanto agradam aos leitores que beberam nessa fonte da Propedêutica e da Medicina que conjuga arte e ciência de qualidade.
O paciente era portador de hipertensão arterial, diabetes, insuficiência renal e hiperplasia prostática. Queixava-se de fraqueza, cansaço, e dormia mal, quase sentado, com janelas sempre bem abertas e ventilador muito próximo, levantando várias vezes durante a noite. Quando perguntado sobre falta de ar ou cansaço ao caminhar, tinha dificuldade em dizer, pois a dor nas pernas o impedia de caminhar mais do que poucos metros. Já consultara por esse motivo naquele centro de saúde, pronto socorro e ambulatório do hospital universitário. Tomava hidroclorotiazida, carvedilol, enalapril, sinvastatina, doxazosina.
Iniciei o exame físico com a suspeita de insuficiência cardíaca congestiva em mente. Mas cadê os estertores? E a taquicardia? Pressão arterial controlada. Corado. Trazia uma radiografia de tórax realizada durante recente internação com diagnóstico inicial de pancreatite. Coração de tamanho normal. Parênquima pulmonar normal. Ausência de sinais de congestão pulmonar.
A primeira suspeita se esvaía aos poucos.
A segunda relacionava-se a reações adversas das medicações, em particular sinvastatina e doxazonina. A probabilidade aumentava considerando a função renal comprometida. Nesse momento, lancei mão da tecnologia que Dr. Fortunato não chegou a conhecer. Consultei no celular a bula dos medicamentos juntamente com o paciente e sua filha e, nós três, concluímos que a fraqueza, dor nas pernas, tontura, pancreatite, falta de ar, sono agitado eram decorrentes desses medicamentos.
E agora, doutor, qual exame para comprovar isso? Nenhum. Suspenda a sinvastatina por uma semana e a doxazonina por três dias e recomece com metade da dose. Em uma semana retorne.
Nenhum medicamento a mais. Nenhum exame a mais. Nenhuma internação a mais.
sábado, 1 de fevereiro de 2020
Arcadia
Eu já era professor instrutor no Pronto Socorro da Santa Casa de São Paulo, em 1997. Pouco mais de cinco anos de formado. Uma residente da Dermatologia se acercou. Colombiana. Perguntei seu nome. Arcadia.
Não pude evitar. Comentei, com alegria, em espanhol, aprendido durante os quatro anos que morei com meus pais e irmãos em Lima, que eu era admirador do escritor colombiano Gabriel García Márquez, autor de Cien años de soledad. Entusiasmado, repeti as primeiras linhas da obra, ainda na memória, mais de quinze anos após o primeiro contato: "Muchos años después, frente al pelotón de fusilamiento, el coronel Aureliano Buendía había de recordar aquella tarde remota en que su padre lo llevó a conocer el hielo.”
Mas o que realmente me entusiasmou foi seu nome: Arcadia. "Una colombiana con el mismo nombre que uno de los personajes principales del libro: José Arcadio Buendía.” A resposta da jovem foi ainda mais surpreendente: "Soy la sobrina de Gabriel García Márquez.” A partir daí, tivemos assunto para mais conversas em outros dias.
Meses depois, ao retornar de férias, chegou com presentes. "Notícia de un secuestro", com dedicatória: “Doctor Rubens, Gracias por su admiración. Recuerdos. Su amigo, Gabo. Junio 19, 1997. C/gena. C/bia.”
¿Dónde estará Arcadia? Me gustaría saber de ella.
Saludos de Rubens
Não pude evitar. Comentei, com alegria, em espanhol, aprendido durante os quatro anos que morei com meus pais e irmãos em Lima, que eu era admirador do escritor colombiano Gabriel García Márquez, autor de Cien años de soledad. Entusiasmado, repeti as primeiras linhas da obra, ainda na memória, mais de quinze anos após o primeiro contato: "Muchos años después, frente al pelotón de fusilamiento, el coronel Aureliano Buendía había de recordar aquella tarde remota en que su padre lo llevó a conocer el hielo.”
Mas o que realmente me entusiasmou foi seu nome: Arcadia. "Una colombiana con el mismo nombre que uno de los personajes principales del libro: José Arcadio Buendía.” A resposta da jovem foi ainda mais surpreendente: "Soy la sobrina de Gabriel García Márquez.” A partir daí, tivemos assunto para mais conversas em outros dias.
Meses depois, ao retornar de férias, chegou com presentes. "Notícia de un secuestro", com dedicatória: “Doctor Rubens, Gracias por su admiración. Recuerdos. Su amigo, Gabo. Junio 19, 1997. C/gena. C/bia.”
¿Dónde estará Arcadia? Me gustaría saber de ella.
Saludos de Rubens
SUS: você sabia?
A aluna do 5˚ ano me acompanhava quando entrei na sala da enfermeira Bia. Fomos recebidos com um sorriso. Sobre sua mesa, uma folha grande com círculos desenhados, nome de remédios dentro deles e "blisters" de comprimidos de tamanhos diferentes. Ela explicou que separava os medicamentos por horário e colocava em pequenos saquinhos ou envelopes que eram lacrados e colocados em envelopes maiores: um para a manhã, outro para o almoço e um para a noite. Seriam separados e organizados os medicamentos dos três horários para cada dia do mês. Um trabalho minucioso, que exige concentração, mas que ajuda substancialmente os pacientes que têm dificuldade em se organizar e tomar corretamente os remédios.
Eu pensei: "como cuidamos bem de nossos pacientes no SUS. Será que a população em geral sabe desse zêlo, dessa dedicação, desse cuidado singular oferecido pelo sistema nacional de saúde brasileiro?". Por isso decidi escrever. Fiquei realmente feliz de poder testemunhar aquela ação.
Devolvi o sorriso da enfermeira com um sorriso e algumas perguntas. O suficiente para ouvir a profissional experiente, e com longa trajetória na atenção básica, falar um pouco de seu trabalho. Falou com orgulho, com amor. Será que a população sabe que existem profissionais tão dedicados e competentes cuidando deles?
A enfermeira Bia me fez lembrar que a Organização Mundial da Saúde escolheu 2020 como o ano da Enfermagem.
Para saber mais: https://www.who.int/hrh/news/2019/2020year-of-nurses/en/
Obrigado a todos os enfermeiros que cuidam dos brasileiros enfermos com a enfermeira Bia.
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