sábado, 1 de fevereiro de 2020

Giannoni

Me lembrei do professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa enquanto observava o paciente alto, grande, com fisionomia desanimada, entrar em passo lento, cansado, no consultório. 
Convidáramos o professor Giannoni a ministrar uma aula a nós, alunos do 6˚ ano, ávidos por conhecer os segredos da profissão que exerceríamos em poucos meses. Aprendemos com ele que a consulta começava mesmo antes do paciente entrar e sentar, que deveríamos observá-lo já no seu trajeto entre a sala de espera e a cadeira do consultório. Não sei por qual razão, mas me lembrei, ao observar a aproximação do enfermo, de Giannoni imitando diferentes doentes entrando: com sequela de AVC, com insuficiência cardíaca, com doença respiratória, com escabiose. 
Ao decidir escrever estas linhas, fui atrás de informações do saudoso professor. E que grata surpresa encontrar o texto "Fortunato Gabriel Giannoni”, escrito pelos professores Milton Luiz Gorzoni e Raimundo Raffaelli Filho, nos Arquivos Médicos dos Hospitais e da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo 2013; 58: 50-3) (http://arquivosmedicos.fcmsantacasasp.edu.br/…/article/view…). Graças a Gorzoni e Raffaelli, não apenas revi Giannoni, mas conheci outras incríveis histórias que tanto agradam aos leitores que beberam nessa fonte da Propedêutica e da Medicina que conjuga arte e ciência de qualidade.
O paciente era portador de hipertensão arterial, diabetes, insuficiência renal e hiperplasia prostática. Queixava-se de fraqueza, cansaço, e dormia mal, quase sentado, com janelas sempre bem abertas e ventilador muito próximo, levantando várias vezes durante a noite. Quando perguntado sobre falta de ar ou cansaço ao caminhar, tinha dificuldade em dizer, pois a dor nas pernas o impedia de caminhar mais do que poucos metros. Já consultara por esse motivo naquele centro de saúde, pronto socorro e ambulatório do hospital universitário. Tomava hidroclorotiazida, carvedilol, enalapril, sinvastatina, doxazosina. 
Iniciei o exame físico com a suspeita de insuficiência cardíaca congestiva em mente. Mas cadê os estertores? E a taquicardia? Pressão arterial controlada. Corado. Trazia uma radiografia de tórax realizada durante recente internação com diagnóstico inicial de pancreatite. Coração de tamanho normal. Parênquima pulmonar normal. Ausência de sinais de congestão pulmonar.
A primeira suspeita se esvaía aos poucos. 
A segunda relacionava-se a reações adversas das medicações, em particular sinvastatina e doxazonina. A probabilidade aumentava considerando a função renal comprometida. Nesse momento, lancei mão da tecnologia que Dr. Fortunato não chegou a conhecer. Consultei no celular a bula dos medicamentos juntamente com o paciente e sua filha e, nós três, concluímos que a fraqueza, dor nas pernas, tontura, pancreatite, falta de ar, sono agitado eram decorrentes desses medicamentos. 
E agora, doutor, qual exame para comprovar isso? Nenhum. Suspenda a sinvastatina por uma semana e a doxazonina por três dias e recomece com metade da dose. Em uma semana retorne. 
Nenhum medicamento a mais. Nenhum exame a mais. Nenhuma internação a mais. 

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