- Ô Bésa! Cê tá aí? - disse Gustinha, olhando por cima do muro, procurando pela vizinha Isabel.
- Gustinha, tô aqui. - respondeu a vizinha.
- Por que o povo tá tudo mascrado? Ocê viu? Tem umas cabôcas que cobre a boca, nariz e até os cabelo. Será que tão trocando de religião, igual as muié árabe?
- Gustinha! Você não está sabendo? É a gripe?
- Iapôe? É difruço, é? E carece essas máscra? Mia fia ligó e disse que escutchó o presidente falá que é só uma gripezinha.
- Ele fala isso porque não morreu ninguém da família dele. Olha o que está acontecendo na Itália e na Espanha. Muitas pessoas morrendo. Acho mais seguro dar ouvido aos médicos.
- Arre-égua! Esse miserave qué matá os pobre? Eu vou é segui os conseio dos dotô. Meu falecido Sinval passó dessa pra mió pruquê nunca foi nas consurta com os dotô. Aquele caba abestado estribuchó com dor no peitcho. Eu vou correndo na loja comprá uma máscra.
- É melhor você não sair de casa. A gripe é mais grave nos idosos e passa fácil de uma pessoa pra outra. Também não pode cumprimentar com a mão. Tão dizendo pra ficar em casa.
- E é? É mió sossegá em casa?
- Claro. Você que é idosa, principalmente. Fique em casa. Eu compro as coisas pra você. É só mandar a lista por cima do muro.
- Obrigado, Bésa. Ocê é um anjo pra mim. Eu tô é ficando avechada e barriada, com muito medo.
- Gustinha, liga pros seus filhos e fala pra eles ficarem em casa também.
- Eita lasquera, essa peste da moléstia me fez matutá do meu primo Severino. Aquele picolé de onça dos cabelo pichainho e zarôio. Estudô medicina lá na facurdade de Salvador, a mais antiga do Brasil, como ele gostava de dizer. Ele se foi ano passado com 90 anos. Vivia frébendo. Acho que era maléita. Ele receitava uns tratamento pro difruço que aprendeu num livro francês, muito bão.
- O que ele indicava para a gripe?
- Sei não. Mas tenho o livro guardado lá dentro. Vou pegá pra ocê lê pra nóis.
- Tá bom. Eu espero.
- É esse aqui. Bonito, né? Lê pra nóis.
- Vou ler. Aqui diz que o doente com gripe precisa ficar isolado e não pode receber visitas. As pessoas que convivem com o doente devem fazer várias vezes ao dia a desinfecção rinofaríngea, isto é, instilar óleo nas narinas, e lavagem da garganta e boca com ácido salicílico, borato de sódio, fenosalil, Licor de Labarraca. Gargarejo é bom. Nas famílias com vários doentes, separar os casos simples dos casos complicados.
- Oxente! Compricado mermo. O que mais?
- Ferver água com folha de eucalipto no quarto do doente. Fricções estimulantes com alcoolato de lavanda ou água de Colônia.
- Eita! Cheirinho bom vai ficá no quarto. Vou fazer isso no meu.
- Ah, mas isso que vou ler agora você não pode fazer, tá! Injeções tônicas subcutâneas à base de arsênico e estricnina.
- Bésa, eu tô querendo uma injeção pro meu espinhaço que me aperrea todo dia. Será que essas que ocê leu tira pra sempre minha dor?
Campinas, 6 de abril de 2020.
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