Prezada Sra. Danuza,
Gostei muito do texto "Uma certa saudade" publicado na Folha de São Paulo do dia 10 de fevereiro último. Sou médico clínico geral e curioso da história da medicina e, talvez por isso, gostei do seu médico calmo, amigo da família, que perguntava sem pressa, que fazia um carinho. Nos tempos atuais, fica a impressão de que a grande maioria dos esculápios não sabe o que é atender sem pressa, não conhece a família do doente, e às vezes nem mesmo o próprio enfermo que chega a ser chamado de caso.
No entanto, o que mais despertou minha atenção foi o fato do seu médico encostar a cabeça nas costas para escutar seus pulmões e a perturbação que esse contato íntimo lhe provocava. Ao que tudo indica, foi essa perturbação que levou o renomado clínico e tisiologista francês René Théophile Hyacinthe Laënnec a inventar o estetoscópio em 1816. Laënnec seguia o costume da época e auscultava o tórax de seus doentes através da aplicação direta da orelha sobre o mesmo, até que, em 1816, consultado por uma jovem com sintomas de doença cardíaca, considerou-se impedido de realizar a auscultação direta devido à idade e sexo da paciente. Ocorreu-lhe, então, enrolar uma folha de papel de forma a produzir um cilindro e aplicar uma extremidade sobre a região precordial da enferma e a outra sobre sua própria orelha. Para surpresa sua, ouviu com inesperada clareza os batimentos cardíacos da jovem. O novo instrumento postou o competente médico, e aqueles que viriam depois, a pouco mais de trinta centímetros de seus doentes, distância sem dúvida mais respeitosa.
Portanto, mais de um século depois da invenção do estetoscópio, ainda se praticava a auscultação direta no nosso país! Teria o invento custado a popularizar-se? Ou os médicos confiavam mais na ausculta direta? Ou temiam pelo fim da verdadeira relação médico-paciente?
Outra interessante questão que surge à partir da leitura do seu texto é a aceitação que um médico teria, nos dias de hoje, se voltasse a encostar a cabeça nas costas de seus doentes. Atualmente, os médicos não são amigos da família nem do doente, as consultas quase sempre têm curta e insuficiente duração e costumam terminar com pedidos de exames caros, complexos e, às vezes desnecessários. Quem sabe se a pressa acabasse, se a conversa esticasse, se a orelha nas costas voltasse, os diagnósticos sairiam mais facilmente, mais elegantemente, os exames seriam menos frequentes, a medicina mais barata e acessível a uma maior parcela da população, a relação médico-paciente mais sólida e os erros médicos menos graves e mais raros ?
Essas memórias que a senhora escreveu num domingo de carnaval, imagino que acometida de certa nostalgia, quase depressão pelo fato de ligar a televisão e tentar enfrentar a transmissão dos desfiles ou o Big Brother, enriqueceram o domingo de alguns leitores.
Um abraço,
Rubens Bedrikow
Campinas, 12 de novembro de 2004.
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