Desde abril, quando foram noticiados os primeiros casos de morte pelo vírus H1N1 no México, até a metade do mês de julho, muito se avançou no conhecimento dessa doença que ganhou status de pandemia e provocou mortes em vários países, inclusive no Brasil e em Campinas. Se há 3 meses, quando não havia ocorrência de casos no país, suspeitávamos de influenza A apenas se o doente provinha de países onde havia transmissão sustentada do vírus – naquele momento, México e Estados Unidos – hoje o momento epidemiológico no Brasil é outro. O aumento de pessoas com síndrome gripal nos pronto-socorros – com suas salas de espera lotadas - nas duas últimas semanas e os casos de morte de crianças e adultos jovens por doença respiratória aguda grave (DRAG), somados aos dados preocupantes de alguns países vizinhos como a Argentina e o Uruguai, que apresentam letalidade por influenza A superior a 2%, demandam ações urgentes por parte dos governantes, profissionais de saúde e população no que se refere a medidas de prevenção da transmissão do vírus H1N1 e tratamento das pessoas acometidas por DRAG. Várias dessas ações baseiam-se em conhecimentos obtidos de pandemias de gripe anteriores, como as de 1889, 1918 e 1957.
A atual pandemia assemelha-se em alguns aspectos àquela de 1918, conhecida como gripe espanhola. Ao contrário da influenza sazonal, que tem por principais vítimas os idosos, as mortes observadas na pandemia de 1918, e agora na de 2009, concentram-se em adultos jovens e crianças. Isso se explica pela imunidade adquirida pelos idosos que tiveram contato com vírus antigenicamente semelhante em 1889 e 1957, respectivamente. Se considerarmos a população mundial ao redor de 1 bilhão e novecentos milhões em 1918 e que a gripe espanhola provocou aproximadamente 20 à 40 milhões de mortes em todo o mundo, podemos estimar a mortalidade ao redor de 1% à 2%. Na cidade de São Paulo, cerca de 1% dos 523.196 habitantes faleceram em razão da gripe (DAMACENA, 2008). Em Campinas, 7317 moradores contraíram a gripe espanhola e 209 pessoas morreram (BERTUCCI, 2008), perfazendo uma taxa de letalidade de 2,86%. Atualmente, a letalidade varia de menos de 0,1% à mais de 2%.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a propagação da pandemia é inevitável e o faz com uma velocidade nunca antes observada: o que nas pandemias anteriores demorou seis meses, o vírus H1N1 levou seis semanas em 2009. O rápido crescimento do número de infectados – aproximadamente 100.000 em pouco mais de 3 meses - torna praticamente impossível a confirmação laboratorial de todos os casos e desnecessária a contagem individual dos mesmos. Até o momento, esta pandemia caracteriza-se por sintomas leves na grande maioria dos casos e recuperação em até uma semana do início dos sintomas. Recomenda-se a vigilância dos casos graves, caracterizados por doença respiratória aguda grave, e dos surtos de síndrome gripal.
Assim como a pandemia de 1918 cursou com três ondas epidêmicas – a primeira e a última mais brandas, mas a segunda extremamente agressiva – pode-se supor comportamento semelhante da atual pandemia que ainda se encontra na sua primeira onda epidêmica e poderá, no futuro, infectar um número muito mais elevado de pessoas e provocar ainda muito mais mortes. Será possível modificar tal expectativa com as medidas até agora adotadas e os recursos disponíveis?
Algumas questões merecem reflexão por parte das autoridades que têm a tarefa de planejar as ações para o controle da propagação da influenza A H1N1 e o tratamento dos doentes com doença respiratória aguda grave (DRAG):
1- devemos recomendar o uso de máscara cirúrgica a todos os munícipes com sintomas da síndrome gripal?
2- devemos recomendar que crianças com sintomas da síndrome gripal permaneçam em casa e não freqüentem a escola? E trabalhadores de fábricas e outros locais fechados?
3- se a letalidade da atual pandemia fosse semelhante àquela de 1918, isto é, 1% à 2%, poderíamos esperar de 10.000 à 20.000 mortes no município de Campinas. As informações disponíveis até o momento não permitem concluir por mortalidade tão elevada, mas devemos lembrar que ainda não atingimos o ápice da primeira onda epidêmica e poderemos enfrentar uma segunda onda ainda mais forte.
4- estamos preparados para cuidar dos doentes com DRAG? Sendo a pneumonia seguida de insuficiência respiratória a complicação mais temida da doença, dispomos de aparelhos de ventilação mecânica em número suficiente no município? Podemos estimar nossa futura necessidade? Considerando que, atualmente, as unidades básicas de saúde (UBS) e os pronto atendimentos não estão preparados para atender plenamente casos de insuficiência respiratória, resta saber se os hospitais do município teriam aparelhos de ventilação mecânica e leitos suficientes para absorver os pacientes com DRAG.
5- a população responde de diversas maneiras à pandemia, sendo uma delas a busca por atendimento médico de urgência, seja em UBS, seja em pronto atendimentos (PA) ou ainda diretamente nos hospitais de referência. A superlotação das salas de espera dos PA nestas últimas semanas é prova disso. Tanto as UBS como os PA poderiam melhorar sua capacidade de atuação com a chegada dos médicos aprovados no concurso público realizado este ano. Conforme dados apresentados no Seminário sobre Trabalho Médico no SUS, realizado em março deste ano em Campinas, a rede de saúde contava com 1109 médicos, além de 398 do Hospital Municipal Dr. Mário Gatti, totalizando 1507. O concurso tinha por objetivo preencher mais 295 vagas, isto é, 16,4% da necessidade apontada pela Secretaria Municipal de Saúde. A rápida elevação do número de pessoas com síndrome gripal nas últimas semanas e as mortes por DRAG identificadas recentemente apontam para a urgência da incorporação de mais profissionais médicos à rede de saúde do município.
6- a máscara cirúrgica parece ser o principal equipamento de proteção individual (EPI) no combate à transmissão do vírus H1N1. Temos estoque suficiente desse EPI?
7- cirurgias eletivas deverão ser canceladas a fim de priorizarmos leitos hospitalares, principalmente de UTI, para pacientes com DRAG?
8- os agendamentos nas UBS deverão ser revistos a fim de priorizar os atendimentos a doentes com síndrome gripal?
9- temos estoque suficiente de antimicrobianos (amoxicilina, azitromicina e outros)?
10- se por um lado, é importante evitar pânico na população, por outro lado, os gestores e profissionais da saúde não podem banalizar a atual pandemia sob o risco de retardarem medidas essenciais no que se refere à prevenção e tratamento de doentes graves.
Rubens Bedrikow
Campinas, 20 de julho de 2009.
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