Sacolejo da Kombi pela rua de terra. Lama da chuva. De um lado, o morro; do outro, as casas. Estas, de madeira na sua imensa maioria, mas também tijolos e até placas sintéticas, altamente inflamáveis, pregadas sobre batentes de madeira com o detalhe de uma tampinha de garrafa entre o prego e a placa - para evitar rachar. Garrafas PET, canos, outros objetos no chão. Uma trepadeira de bucha enfeitava o muro. Um gatinho branco, aparentemente bem novo, olhos muito azuis e arregalados, assustado, aparentava estar desnutrido. O menino de onze anos o encontrara naquele mesmo dia e não sabia dizer a idade. Mais dois gatos, um preto e outro branco e preto dividiam o espaço com uma cadela clara. Ouvi dizer que o bairro era perigoso e que tinha gente que estuprava as cadelas. Será verdade? Os ratos preferem a noite e exigem cuidados com os alimentos que precisam trocar as embalagens originais pelas garrafas PET. Até o sabão fica assim acondicionado.
Dentro, cabos de vassoura mantinham fios a uma altura razoável para permitir a passagem das pessoas. Gatos garantem a energia elétrica. Panos e roupas velhas preenchiam o vão entre os tijolos e o teto de eternit. Da mesma forma, buracos nas paredes dos quartos, também estavam obstruídos por tecidos, provavelmente para impedir a entrada de vento e chuva. Outras frestas serviam para guardar cartelas de remédios, canetas. Casa escura, roupas sobre os armários, em cestos e no chão. Sobre a geladeira, uma calopsita apenas observava, de dentro da gaiola.
Num dos cômodos, uma cama de casal e um armário lotado de coisas, com várias bonecas de plástico róseo sobre ele. Meninas moravam ali. Treze, sete e quatro anos. O menino, de pouca conversa, tristonho, olhar para baixo, contou que dormia naquela cama com mais duas irmãs. Gostava mais de matemática e não sabia dizer de qual matéria gostava menos. Um livro escolar de ciências sobre a fruteira vazia na cozinha. Não havia uma mesa para fazer as tarefas. Corintiano, não gostava de assistir futebol na televisão. Preferia Scooby Doo. Sabia o nome do dono do personagem: Salsicha. Era carinhoso com a mãe e tinha esperança que Jesus curasse a doença que lhe causava dores diárias. O pai estava na rua. Pedreiro, passa o dia fora e, quando bebe, emenda com a droga. Tive vontade de perguntar o que achava da vida.
Não tive coragem.
Rubens Bedrikow
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