Manhã de quinta-feira, pego os três alunos do 5˚ ano de medicina em frente à Faculdade de Ciências Médicas e deixo a Unicamp em direção ao CAPS. Esta disciplina de Saúde Coletiva permite criar, improvisar, montar o estágio conforme o caso apresentado pela unidade básica de saúde, no intuito de construir um projeto terapêutico singular. Casualmente, os três alunos pensaram na Psiquiatria como opção para o futuro. Não tive tempo de avisar da visita, mas contava com o acolhimento porta aberta daquele Centro de Atenção Psicossocial. Eu estava certo.
Nem bem cruzamos o portão do grande sobrado e topamos com o sorridente funcionário da GOCIL. Apresentei-me, e os alunos que me acompanhavam, não sem frisar o interesse pela especialidade de Pinel e Basaglia. O tal funcionário, alto, forte, moreno, com uma tiara na cabeça, devolveu: “Boa escolha! Trabalhar com Saúde Mental é muito bom! Eu mesmo vou estudar psicologia”. Mais um pouco de conversa e perguntei se ele gostava de trabalhar ali. “Eu amo”, disse ele. Em seguida, nos apresentou à auxiliar de enfermagem que se preparava para a caminhada com usuários do serviço. Bermuda, chapéu para proteger do sol, tênis, óculos e um belo sorriso. Ainda na parte externa, foi logo contando da caminhada e nos conduzindo até uma sala onde seríamos recebidos por outra funcionária. Percebemos seu amor pela profissão e nem estranhamos quando ela parou para dedicar mais tempo ao relato. Enquanto isso, pacientes passavam, chegavam, preparando-se para a atividade. Repeti a ela a mesma pergunta que fizera ao funcionário da GOCIL e obtive a mesma resposta: “Eu amo”. Adentramos a casa, dizendo “oi” aos pacientes que nos observavam, passamos diante do posto de enfermagem, subimos a escada e paramos no interior da sala de reuniões da equipe. Lá estavam vários profissionais que discutiam os projetos terapêuticos ou passavam plantão. Todos compenetrados, mas com um olhar e sorriso acolhedores em nossa direção. Para mim, pessoas ou fisionomias conhecidas, familiares. Da sacada da sala, podíamos observar os pacientes no pátio da casa, alguns sentados, outros nas espreguiçadeiras, outros caminhando, enquanto um homem terminava a limpeza da piscina. Fomos convidados a nos sentar em volta da mesa para um papo com a psicóloga Iara. Esta também não tardou a exibir seu ar risonho. A contração dos músculos faciais para expressar alegria parece ser a marca do lugar. Iniciou pela discussão do que foi a reforma psiquiátrica. O que passaria pela cabeça dos três alunos que, olhares atentos, aprendiam sobre a reabilitação psicossocial naquele espaço, cercados de pessoas com sofrimento mental grave, ali inseridos em diversas oficinas e grupos? Aprendizado longe da sala de aula, mas tão perto do real. No papel de professor, estava satisfeito de oferecer tal oportunidade a eles. Muito provavelmente, o resultado seria outro dentro de uma sala de aula. A conversa fluiu fácil, as perguntas surgiram naturalmente e os olhos brilharam. Para trabalhar ali é mister aprender a atuar em equipe, coconstruir projetos terapêuticos com os colegas. “Uma segunda residência no CAPS”. Andamos pelos diferentes cômodos e espaços do sobrado. Testemunhamos a postura afável dos profissionais diante dos pacientes que os chamavam pelos nomes: “Iara, Iara…”. Dois gêmeos dormiam, um sobre a mesa de bilhar e o outro sobre o piso. O que fugiu, retornou. Apertamos mãos, proseamos, admiramos os trabalhos produzidos nas oficinas e lemos o conto do abacaxi falante. Uma paciente dizia ser psicóloga e quis conversar conosco. Achou as alunas lindas, tanto a morena como a loira. Interessou-se pelo crachá: “Ah, vocês são da Unicamp; minha mãe morreu lá. Por que vocês não a salvaram?” No passado, com certeza, aquelas pessoas só seriam encontradas em prisões ou manicômios. Mas hoje, estão ali, convivendo conosco, entrando e saindo do CAPS quando querem. Essa reforma acontece no cotidiano e pode ser apreendida ali, nas conversas, nos gestos, nos toques. Mas só faz sentido porque a clínica permeia tudo.
Agradeço a gentileza, disponibilidade e boa vontade com que os funcionários do CAPS Estação nos receberam.
O trabalho de vocês faz muita diferença para muita gente.
Parabéns.
Rubens Bedrikow
FCM - Depto. Saúde Coletiva - Unicamp
CS Rosália - PMC
Campinas, 24/1/2014
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