Gabriel e eu partimos de Campinas, rumo a Brodowski, esperançosos de alcançar o Museu da Casa de Portinari ainda aberto. Seguimos pela rodovia Anhanguera, deixamos reais e centavos em uma meia dúzia de pedágios e apreciamos muitos quilômetros quadrados de plantações de cana de açucar. No entanto, o objetivo principal era visitar a casa onde morou Cândido Portinari. Tal desejo surgiu da descrição de viagem semelhante feita pelo papai, mamãe e Renato. O quadro – reprodução - que eles me ofertaram manteve presente a idéia do passeio que fica na metade do caminho para Ituiutaba, destino final da nossa viagem.
A cidade que leva o nome do engenheiro polonês Alexandre Brodowski tem aproximadamente vinte mil habitantes e fica a vinte minutos de Ribeirão Preto. Os pais de Cândido, Batista Portinari e Domenica Torquato eram filhos de imigrantes italianos que se radicaram numa fazenda naquela região. Apaixonaram-se e uniram-se muito cedo – ele com dezoito anos e ela com treze. Tiveram doze filhos. Quando o Sr. Batista decidiu deixar a roça, foi morar numa casa muito simples. Trabalhou como empalhador de cadeiras, atividade que os filhos também aprenderam. Mais tarde, seus amigos músicos o ajudaram a construir a casa que serviu de residência à família e que hoje alberga o museu. Cândido Portinari nasceu em 1903 e faleceu em 1962, vítima de envenenamento por chumbo presente nas tintas. Fico a imaginar os pensamentos que rondaram a mente do médico do trabalho Bernardo Bedrikow no dia da visita à casa do artista, vítima de doença ocupacional. Os efeitos nocivos do material de trabalho do artista eram conhecidos há mais de trezentos anos – “As doenças dos trabalhadores”, de Bernardino Ramazzini, foi publicado em 1700. Alguns tubos de tintas e pincéis estão expostos, assim como vários outros objetos de uso pessoal – chapéus, gravatas, óculos, paletós e sapatos. O calçado do pé direito era mais alto que o esquerdo quatro centímetros a fim de minimizar o desconforto da diferença congênita de comprimento dos membros inferiores. A casa está com a mobília da família. Na cozinha, as cadeiras empalhadas pelo Sr. Batista. Nos quartos, camas, armários, roupas e obras do artista. O Gabriel reconheceu em um dos aposentos, a reprodução que o papai me deu. Nas paredes da capela da “nonna”, construída para que ela pudesse continuar rezando não obstante as dificuldades de locomoção que a acompanharam no final da vida, estão pinturas de santos e de outras figuras religiosas, todos com o rosto de parentes - reconheci o pai, a esposa e a irmã. Quando a guia me disse que Cândido Portinari tinha apenas 1 metro e 54 cm de estatura, ponderei, comigo mesmo, que meu pai também não era alto e concluí que tamanho não é documento. Sentado num banco na praça diante do museu, enquanto tentava fotografar o Gabriel andando de patins, sob a ótima luminosidade do final da tarde, pude travar conversa com uma jovem que brincava com o filho de pouco mais de um ano de vida. Amanda e Pedrinho são nascidos em Brodowski. O avô dela conviveu com Cândido Portinari, principalmente durante a infância deste e quando o artista deixava o Rio de Janeiro ou a Europa – geralmente de dezembro a março – para ficar com a mãe. Amanda contou que ela também freqüentou, quando criança, a casa dos Portinari – nessa ocasião, apenas uma das irmãs do artista (Olga) era viva – parece que ainda está. Amanda lembra que a senhora Portinari chorava sempre que as meninas perguntavam do Candinho. Indaguei-lhe por que dizem Brodósqui e não Brodóviski, desprezando o som de vê do dáblio do nome polonês. Ela não sabe, mas sempre falou e ouviu dizer Brodósqui. A dona da sorveteria confirmou. A Mena tinha razão e mesmo assim fui checar porque sou teimoso.
Imagino que meus pais me deram aquele quadro – reprodução – porque o acharam bonito e porque gostariam que eu pudesse ter visitado com eles a casa do artista. Era uma forma de compartilhar um pouco comigo, e também com meus irmãos, as emoções que devem ter sentido naquela ocasião. Hoje, estive com eles novamente. Será que eles previram algum efeito prolongado e tardio daquele presente?
Qual será o significado deste passeio para meu filho Gabriel? De alguma forma, avô, filho e neto se comunicaram.
Rubens Bedrikow
Uberaba, 31 de outubro de 2009.
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