sábado, 3 de janeiro de 2015

Miséria

Quanta miséria encontrei
Durante as esculápias andanças
Naquelas paupérrimas vizinhanças
Desde que ali cheguei

Como médico generalista 
Do programa de saúde da família
Numa unidade básica da periferia
Sul do município de Campinas

Vi crianças brincarem de guerra
Com animais sarnentos e fedidos
Partilhando pão duro amolecido
No leite diluído da caneca de terra

Pequenos seres barrigudos
Sorrisos tristemente cariados
Dentes pretos estragados
Preferem permanecer mudos

Percorrem longas distâncias
Ao lado da mãe gestante
Rumo ao postinho distante
E não ao jardim da infância

Quando maiores, ocupam a escola
Muros altos e grades de ferro
Que não seguram gritos e berros
Dos que deixam os livros pela bola

Cigarros de maconha vendidos
A um real durante o recreio
Festa, quermesse e passeio
Convidam os pequenos ao vício

Como fazer a lição
Sobre a cama ao lado do fogão
No cômodo único, sem ventilação
Tórridos meses de verão?

Como estudar, se além do calor
O pai bêbado
Machuca a mãe que, com medo
Lamenta quieta sua dor?
Desejo de bens materiais
Prostituição de pobres adolescentes
Diante do conselhos das mães, indiferentes
Conseguem roupas e bijouterias mais legais
Escassez de lazer
Mães antes do tempo
Para avó o cuidado do rebento
Seguem na trilha do prazer

Miséria social
Ali adiante
Dos olhos distante
Da riqueza nacional

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